Segundo ação, detentos torturaram e comeram o fígado de outro preso
Um desentendimento entre seis integrantes de uma facção criminosa acaba
com um deles sentenciado à morte. O condenado é torturado, morto a
facadas, esquartejado e tem o fígado assado e servido em um banquete aos
seus algozes. O ritual canibalístico digno de filme de terror ocorreu
no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, e foi denunciado à
Justiça pelo promotor Gilberto Câmara Júnior, da 12ª Promotoria de
Justiça de Substituição Plena.
Na ação, consta que os fatos aconteceram em dezembro de 2013, na Cela
1, Bloco C do Presídio São Luís 2 (PSL 2), uma das oito casas que formam
o Complexo Penitenciário de Pedrinhas. A unidade abriga presos que
cumprem penas pelos crimes em regime fechado.
O caso macabro só veio à tona porque uma autoridade policial
(não-identificada no processo) que investigava homicídios em presídios
encontrou uma "testemunha-chave" que revelou o crime após ter sido
transferida da unidade prisional.
Segundo o promotor, a vítima, identificada como Edson Carlos Mesquita
da Silva, teve o corpo dividido em 59 fragmentos. O estado dos restos
mortais ficou tão drástico que a identificação só foi possível por causa
de uma tatuagem.
"Foi reconhecido por seu cunhado, em razão de uma tatuagem que a vítima
possuía cuja inscrição homenageava a sua filha: 'Vitória razão do meu
viver'", explica Câmara Júnior. A identidade foi confirmada
posteriormente por certidão de óbito, laudo de exame cadavérico e laudo
de exame em local de morte violenta.
O Ministério Público aponta como autores do crime Rones Lopes da Silva,
o Rony Boy; Geovane Sousa Palhano, o Bacabal; Enilson Vando Matos
Pereira, o Matias; e Samyro Rocha de Souza, o Satanás. Também
participaram dois homens não-identificados, que constam nos autos como
"Indivíduo X" e Bruno, além de Joelson da Silva Moreira, o Índio, que já
está morto.
Fígado
Executores e vítima eram integrantes de uma mesma facção, dissidente de
outro grupo criminoso. Edson teria se desentendido com Indivíduo X após
ter ofendido Rony Boy, um dos líderes do grupo, que está preso em um
presídio federal.
Por causa da ofensa, Bacabal e Índio amarraram e torturaram a vítima
por horas. Matias interveio e ligou para Rony Boy, que decidiu que Edson
deveria ser morto por Indivíduo X, com quem se desentendeu, e entregue à
direção do presídio.
Indivíduo X, Bacabal, Índio e Samyro Rocha de Souza, o Satanás, mataram
a vítima a facadas. No dia seguinte, Bacabal decidiu que não entregaria
o corpo à direção e o esquartejaria, livrando-se dos restos mortais.
Após dividirem o corpo em 59 partes, o trio jogou sal no cadáver para
retardar a decomposição da carne e disfarçar o odor, depositando os
restos mortais em sacos plásticos em lixeiras espalhadas.
O fígado foi retirado, assado em fogo na brasa e ingeridos pelos três,
que também enviaram pedaços a outros presidiários. Para evitar delações,
os integrantes da facção se mudaram das celas dos fundos para os
xadrezes da frente, próximo ao portão de acesso.
Lei do Silêncio
Os autores foram acusados por homicídio qualificado por motivo torpe e
por meios que dificultaram a defesa da vítima (vantagem numérica),
tortura e destruição e vilipêndio de cadáver. "Considerando o imoral
inconformismo dos agentes, que diante deste fato, agiram de forma
sórdida e repugnante", justifica Câmara.
O promotor afirma que pelo menos dois outros casos de canibalismo estão
confirmados e têm investigações em andamento. Ele explica que a "Lei do
Silêncio" que impera nos presídios dificulta que crimes do tipo sejam
descobertos pelas autoridades.
"As investigações foram iniciadas com o intuito de identificar
testemunhas que pudessem esclarecer os motivos do fatídico, porém, a Lei
do Silêncio que impera dentro do presídio, cujos detentos se mantém
receosos ante represálias de facções criminosas atuantes dentro do
sistema prisional, é um fator dificultador", explica Câmara Júnior.
ONU
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas passou por uma vistoria do
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em
agosto deste ano. O relator especial sobre tortura e outros tratamentos
ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez, afirmou haver
alto grau de tortura a presos no país.
No início de 2014, a ONU pediu que o Brasil apurasse as recentes
violações de direitos humanos e os atos de violência que ocorreram nos
presídios do Maranhão, em especial no Complexo de Pedrinhas. Em
comentário sobre a situação, o Alto-Comissariado de Direitos Humanos da
ONU expressou preocupação com imagens divulgadas pelo jornal "Folha de
S.Paulo", que mostraram presos decapitados dentro da penitenciária.
A ONU acrescentou que ficou "perturbada" com o relatório do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) divulgado em dezembro de 2013, que apontou 59
presos foram mortos dentro desse presídio, devido a uma série de
rebeliões e confrontos entre facções criminosas.
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