STF inicia julgamento que discute ensino religioso nas escolas públicas.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, nesta
quarta-feira (30), ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 4439, na qual se discute o ensino religioso em escolas da rede
oficial de ensino do país. Para o ministro Luís Roberto Barroso, relator
da ação, o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras deve ter
natureza não confessional, isto é, desvinculado de religiões
específicas, além de ficar proibida a admissão de professores para atuar
na qualidade de representantes das confissões religiosas.
A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a fim
de que seja conferida interpretação conforme a Constituição Federal ao
dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (caput e
parágrafos 1º e 2º, do artigo 33, da Lei 9.394/1996) e ao acordo firmado
entre o Brasil e a Santa Sé (artigo 11, parágrafo 1º). A PGR questiona o
ensino religioso confessional (vinculado a uma religião específica), ao
considerar que tal ensino deve ser voltado para a história e a doutrina
das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica.
A Procuradoria-Geral da República defende a tese de que a única forma
de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com o ensino
religioso nas escolas públicas consiste na adoção de modelo não
confessional, em que a disciplina deve ter como conteúdo programático a
exposição das doutrinas, práticas, história e dimensões sociais das
diferentes religiões, incluindo posições não religiosas, “sem qualquer
tomada de partido por parte dos educadores”, e deve ser ministrada por
professores regulares da rede pública de ensino, e não por “pessoas
vinculadas às igrejas ou confissões religiosas”.
No dia 15 de junho de 2015, o Supremo realizou uma audiência pública
para discutir o assunto, com a participação de 31 representantes de
diversas religiões e de órgãos e entidades ligados à educação, os quais
apresentaram seus argumentos sobre a matéria.
Voto do relator
Na sessão desta quarta-feira, o ministro Luís Roberto Barroso votou
pela procedência do pedido feito na ADI. O ministro verificou que a
solução para a discussão se encontra na convergência de três normas
constitucionais: a que prevê o ensino religioso (artigo 210, parágrafo
1º), a que assegura a liberdade religiosa (artigo 5º inciso VI) e a que
consagra o princípio da laicidade do Estado (artigo 19, inciso I).
Segundo ele, a simples presença do ensino religioso em escolas
públicas já constitui uma exceção feita pela Constituição à laicidade do
Estado, “por isso mesmo, a exceção não pode receber uma interpretação
ampliativa para permitir que o ensino religioso seja vinculado a uma
específica religião”. Ele salientou que o ensino religioso confessional
viola a laicidade porque identifica Estado e Igreja, o que é vedado pela
Constituição Federal.
O ministro observou que, de acordo com um novo mapa das religiões
elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base nos dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem no
Brasil 140 denominações religiosas identificadas. “É materialmente
impossível que a escola pública, respeitando a igualdade das religiões,
ofereça condições para que 140 religiões diferentes e alternativas sejam
ministradas dentro das salas de aula, logo, algumas religiões terão que
ser favorecidas, o que acontecerá será o favorecimento das religiões
majoritárias”, destacou.
Conforme o relator, qualquer política pública ou interpretação que
favoreça uma religião, mesmo que majoritária, quebra a neutralidade do
Estado nessa matéria. Assim, ele salientou que o ensino religioso
confessional é incompatível com a laicidade também pela impossibilidade
de preservação da neutralidade do Estado em relação às religiões.
Por fim, o ministro Barroso destacou algumas cautelas que devem ser
realizadas para a concretização do que a Constituição estabelece. Para o
relator, o Ministério da Educação, a fim de dar cumprimento ao
mandamento constitucional de laicidade, no sentido de que o ensino é não
confessional e facultativo, deve estabelecer parâmetros curriculares e
conteúdos mínimos do ensino de religião.
Outra cautela apontada pelo ministro é que, em nenhuma hipótese, a
investidura e permanência de um professor pode depender de ato de
vontade de uma confissão religiosa. Assim, assentou ser válida a
proibição de professores na qualidade de representantes das confissões
religiosas, explicitando que um padre católico, se fizer concurso
público, pode ser professor, mas não na qualidade de padre, o mesmo vale
para um rabino, um pastor ou um pai de santo, por exemplo.
De acordo com o relator, para assegurar a facultatividade do ensino
religioso, algumas garantias devem ser impostas: não se deve permitir a
matrícula automática na disciplina de ensino religioso; os alunos que
optarem por não terem ensino religioso devem ter assegurada uma
atividade acadêmica no mesmo horário; o ensino religioso deve ser
ministrado em disciplina específica e não transversalmente, e muito
menos confessionalmente, ao longo de outras matérias; os alunos devem
poder se desligar da disciplina quando quiserem.
Dessa forma, o ministro Luís Roberto Barroso propôs a seguinte tese:
“O ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser de matrícula
efetivamente facultativa e ter caráter não confessional, vedada a
admissão de professores na qualidade de representantes das religiões
para ministrá-lo”.
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